O plágio é muito grave. E envolve o Público, que se afirma como "jornal de referência", "escrutinador dos escrutinadores". Plágio é uma expropriação do trabalho alheio deliberada. Não é, portanto, um erro. Um jornalista do Público copiou parágrafos inteiros de um articulista do El País. Trata-se, porventura mais grave, de um jornalista copiar um artigo de opinião - opinião é algo do sujeito, uma criação literária, o que lhe vai dentro da alma - pode-se dizer. A denúncia foi feita por uma jornalista, do Jornalissimo, e o Público ignorou a gravidade do assunto, afirmando não "despublicar" (neologismo de criação do próprio jornal) porque se tratou de um erro. O mesmo Público que "despublicou" um artigo de opinião do médico Pedro Girão porque ia contra as ideias de "consenso" subscritas pelo Governo e pelo PR. O Público afirmou com esta posição que o que é um artigo original contra o Governo "despublica-se", um plágio grosseiro do El País mantém-se.
Mantenho as aspas em "despublica-se" porque tal não existe. Existe censura. Ou existe retirar artigos porque são impublicáveis. Impublicável já é uma boa palavra.
Falemos agora de honestidade intelectual, cientifica e académica. E códigos de deontologia.
Plágio é gravíssimo. No caso é indiscutível. Trata-se não de ideias que podiam ser partilhadas e por grande coincidência serem idênticas, mas de parágrafos inteiros de carácter literário (que abaixo reproduzo), ou seja, há uma expropriação de um texto alheio. Foi isso mesmo que escreveu, bem como sobre o descaso do jornal Público em enfrentar o assunto, o articulista do El Pais na sua página pública do facebook, com sarcasmo e ironia. Abaixo reproduzo-a.
O assunto ganha contornos de gravidade porque se insere na imensa crise do jornalismo e da esfera pública (a esfera pública são os cafés, a Universidade, os jornais, são espaços públicos, portanto não são espaços empresariais ou privados, e são espaços não controlados pelo Estado - isto é a esfera pública, que em Portugal está morta).
Os jornais deixaram, salvo raras excepções, de ser a crítica do poder para passar a ser quase "diários do governo", policiando como fake news todo e qualquer contraditório. Ora o que temos aqui é um artigo fake, com amplo e escrutinado "polígrafo" da parte da jornalista que denuncia, e o encolher de ombros do jornal Público, até vários casos virem a público, e o jornal ser obrigado a suspender o jornalista, sacudindo a água do capote.
Qual água? A de ausência de jornalismo crítico, haverá outro?; Que só pode ser feito com independência do Estado e do Mercado, o que só pode acontecer com redacções democráticas, varridas nos anos 80 porque cheiravam a revolução de Abril, bons salários de jornalistas, uma profissão quase miserável, sempre ameaçada pelo desemprego; a fuga para assessoria de comunicação (as quais fazem grande parte do lobby junto dos jornais); a substituição assim do jornalismo pelas colunas de opinião (baratas ou gratuitas, de qualquer modo, extra jornalísticas), escritas ainda por cima a uma velocidade vertiginosa; e a constante republicação de condensados de artigos de agências noticiosas.
O plágio em causa pode ser um epifenómeno, ou pode ser, creio que é, parte estrutural desta crise no jornalismo onde, mais do que qualquer outra profissão das que estudei na vida, se verifica claramente uma expropriação do seu sentido: investigação, informação e crítica independente do Estado e das empresas, esse é o lugar da esfera pública. Não há "público", esfera pública, onde domina o poder privado empresarial, e a política oficial de Estado. É preciso, para salvaguardar a democracia, uma política contra o Estado.
Sobre o plágio nas academias há muito que está fora de controlo. Primeiro sendo um crime grave é normal que seja, antes de colocado em jornais justiceiros, investigado. Há casos de plágio que não o são, são apenas erros, porque (já o vi) o computador apaga as aspas, o espaçamento da citação, na formatação, volta ao lugar, o aluno estava exausto e esqueceu-se. Tudo isto é fácil de reconhecer se formos bons professores: conhecer os alunos, ter múltiplos instrumentos de avaliação, ler o texto atentamente, etc. Sim, erros acontecem e é imperdoável que sejam promovidos a "plágio" e a sua denúncia em jornais, como vi fazerem com alunos e teses, quando temos lugares para dirimir esses casos. Repito: plágio é expropriação do trabalho alheio, não é nem erro nem "auto plágio" (um neoconceito que é uma boa piada, não mais do que isso, ao lado do verbo "despublicar").
Há porém nas academias o plágio, e é infelizmente muito comum. Como foi lembrado. Há o plágio raro do copy paste. Mas há o plágio comum de apropriação das ideias do outro sem o citar, e aqui a academia portuguesa e a exigua esfera pública são protagonistas de citar sem nomear, indicar, sugerir - raro ver-se um debate frontal em que um autor discorda do outro autor e cita-o como se deve. Grande parte dos debates não feitos, não citados, acabam em lutas de poder onde pode-se tirar olhos e cabelos. O ambiente académico favorece este tipo de situações ao impor a concorrência e a ausência de um ambiente intelectual português torna o caso explosivo. Nos alunos também
em há plágio, alunos que reproduzem vídeos, alunos que reproduzem ideias sem citar, alunos que citam ideias que são deles para mostrar serviço de conhecimento do estado da arte; e empresas - em sites abertos - que oferecem trabalhos feitos. Em que, sem haver aulas a sério, face a face, conhecer e debater com os alunos, é impossível distinguir se foram eles ou não a fazer. O que dizer dos que propõem a digitalização do espaço universitário ou escolar? Um mundo distópico só de plágios?
Exemplo do plágio em causa:
'' Uma cara verde sorridente. Uma cara amarela que nem sim nem não. Uma cara vermelha furiosa. Em lojas, hotéis, restaurantes ou instituições surgem ecrãs que nos permitem clicar num destes ícones para expressar o nosso grau de satisfação com os empregados.'' / ''Una cara verde sonriente. Una cara amarilla que ni fu ni fa. Una cara roja enfadada. En muchos comercios, establecimientos hosteleros e instituciones han aparecido unas pantallas que nos permiten pulsar en uno de estos iconos para manifestar nuestro grado de satisfacción con los empleados. ''
Resposta do jornalista do El Pais. Sergio C. Fanjul
He coprotagonizado un caso de plagio en Portugal.
La historia comienza cuando la lectora portuguesa Joana Fillol Guimarães Lopes se aficiona a mis artículos y los empieza a leer sin falta. Un día lee uno del suplemento IDEAS de El País y le parece interesante. Al día siguiente lee una columna de Vítor Belanciano en el diario portugués Publico (no confundir con el español) y algo le resulta familiar… ¿Dónde había leído esos párrafos? Intenta hacer memoria y se da cuenta: estaban en el artículo aquel de Fanjul (que soy yo).
Así que la lectora, que es de raigambre periodística, hace una cruzada de esto, y empieza a quejarse a Publico, sin que le hagan demasiado caso, y a hacer ruido en redes sociales. Tanto es su ímpetu que consigue que Belanciano confiese, que el Defensor del Lector intervenga y que, bueno, se forme un pequeño escándalo en la escena periodística portuguesa.
Belanciano, que era un periodista con experiencia, prestigio, libros y columna propia los domingos, corto y pegó tal cual párrafos de mi texto. No lo entiendo. Si le interesaban las ideas podría haberme citado o, en el peor de los casos, haberlas vuelto a redactar, hacerlas suyas, cosa completamente legítima. Sin embargo, no sé si por pereza o por cualquier problema personal, prefirió cortar y pegar. Ahora el periódico le ha quitado la columna dominical y su carrera se ha visto seriamente comprometida.
Me escribió un mail pidiendo disculpas. Las acepté sin problemas: el perjudicado es él, no yo. Yo, le dije para quitar hierro, al menos soy un poco más famoso en el país vecino.
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