Dois desejos para o ano novo, na verdade são um: que a política deixe de ser Pequena, coisas dos "outros" e que o envolvimento directo e diário das pessoas na coisa pública regresse com a mesma intensidade, matar a ideia de bons salvadores, acreditar nas nossas próprias forças, de todos os que vivem do trabalho, seja ele mais ou menos qualificado, manual, artístico, 50 anos depois do 25 de abril, é preciso acabar com essa patologia social da resignação, dos sacrifícios, do "fim do mundo", porque quando "não se espera nada não se tem nada" (Ken Loach).
A política é a cidade, somos nós, são os nossos locais de trabalho, os nossos bairros, o nosso povo, essa palavra é nossa, não sei se dos 99% mas certamente dos mais de 80% que vivem de trabalhar.
Que a amizade e o amor ressurjam das cinzas da mercantilização, é o meu segundo desejo. Foi o Gregorio Duvivier que sintetizou de forma impecável o que são as redes sociais, o ramo delas não é a tecnologia, é mercantilizar, monetarizar (fazer dinheiro) com as amizades. Mas recordando o meu saudoso amigo, companheiro de lutas e esperanças, algo que escrevemos juntos no livro Do Medo à Esperança, o médico e psicanalista Coimbra de Matos, as relações não se vendem. Podem vender-se likes, não se podem vender afectos. Há uma pandemia de solidão, trazida pelo capitalismo, que faz dos locais de trabalho lugares de competição e das pessoas "livres" de ficar sós a vender "likes" e "amigos" a empresas de dados. Não há valores na Bolsa, os valores são todos humanos e não mercantilizáveis.
Este duplo desejo é o desejo de que nos encontremos numa esquina, numa rua, com mais 5, contra as guerras, a degradação dos locais de trabalho, a falta de qualidade de vida, a demência da extrema-direita, os mínimos assistencialistas dos PS e PSDs, que à direita e à esquerda nos envolvem em mentiras e falsas soluções, responsáveis pela degradação da nossa vida com discursos belos e cínicos, e claro, o coma profundo da esquerda que tem medo de ser humanista radical, socialista romântica e vai gerindo a sua própria crise sem programa. Que nos encontremos algures num lugar onde toda a igualdade e toda a liberdade, juntas de mãos dadas, são possíveis. O futuro é belo, "vai derramar felicidade em nós" se fizermos por isso onde é possível, na política.
É preciso mudar o mundo em que vivemos, porque o mundo em que vivemos, do lucro, está a mudar-nos com ele. É preciso desejar e esperar tudo. Sou mais socialista hoje, aos 45, do que sempre fui, desde os 16, e sempre fui contra o estalinismo e contra o PS (onde estive 6 meses da minha vida com 17 anos) ou o PCP - socialismo é a máxima expansão do indivíduo em cooperação e liberdade. O socialismo é um projecto político, de auto organização das pessoas, contra o Estado, onde nos reencontramos com a nossa humanidade, em cooperação, é um humanismo radical. Este ano 2024 é o ano para percebermos que ninguém vai fazer nada por nós, o tamanho dos problemas sociais exigem a participação activa de todos nas decisões, não se resume a votar, se não mudarmos de atitutde face à política, a vida vai degradar-se ainda mais.
Desejo também que continuemos a debater tudo isto sem concordar, sem cancelar, sem censurar. Tirando a extrema direita, que não é parte da civilização, devemos debater tudo com todos sem medo, não temos o direito de calar ninguém. A política não pode ser um dogma, nem um acto de meninos mimados, é debate livre.
Feliz 2024, 50 anos depois dessa revolução que durou 2 anos, num país com 300 de inquisição e 48 de ditadura, e em que as pessoas "perceberam que tinham necessidades que não sabiam que tinham" (frase do médico Bernardino Páscoa).
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