Creio que o grande debate de hoje no mundo é "qual o sentido do trabalho?" - porque se respondermos a isto vamos responder aos grandes problemas da humanidade, da desigualdade às guerras, da pobreza ao sofrimento mental. Esta questão tem-nos movido, no nosso Observatório, mais do que outra qualquer. A minha opinião, em poucas palavras e de forma muito simplificada: o trabalho humaniza-nos. Os estudos mais importantes feitos sobre o desemprego nos anos 30 do século XX na sociologia na Áustria mostraram que os desempregados, subsidiados, num avançado programa social democrata, deixavam de ler, de se divertir, ter tempo livre não tinha, na maioria, tido qualquer impacto; o mesmo se passa hoje com os reformados, passam a ter vidas desinteressantes; o mesmo se passa com o trabalho doméstico, que trabalham muito mas é na sua maioria um trabalho desinteressante e sem inserção social. Ora o trabalho é a nossa humanização, é a partir dele que criamos, pensamos e desenvolvemos a linguagem e a inteligência. O trabalho é a nossa interação social e o nosso reconhecimento. Dizem alguns sectores anarquistas que o futuro devia ser acabar com o trabalho; os social democratas foram mais longe, prostrados ao capitalismo (fase neoliberal actual), trocaram trabalho e pleno emprego por assistência social e precariedade; direito ao trabalho por direito ao subsídio de desemprego.
Isto gera uma sociedade ansiosa, com medo de não ter como viver, dependente do Estado, desorganizada em termos de lutas, com enormes tensões familiares (relações de dependência excessivas) e uma perda de orgulho e auto estima (reconhecimento). E gera muitos lumpens, quer nas classes trabalhadoras, quer nas médias (lumpens nas classes ricas sempre houve, onde parasitar o trabalho alheio é normal, e chama-se "viver de rendimentos").
O grande desafio da humanidade é tornar o trabalho um direito e que todo o trabalho seja desalienado - isto é, que as pessoas pensem o que executam; que trabalhem em actividades que têm sentido e que o façam com prazer e não apenas pela necessidade de sobreviver. O trabalho, manual ou intelectual, agrícola ou em meio urbano, pode ser todo trabalho artístico no sentido de "artesão" (que as pessoas fazem actividades e coisas necessárias, úteis, e em condições de cooperação e autonomia) e todo o trabalho bruto ser executado por máquinas - a utopia socialista não é o fim do trabalho, mas a libertação da criação humana para trabalhos com sentido.
Dois autores socialistas no século XIX debateram-nos em dois romances. Edward Bellamy em Olhando para Trás (não traduzido) defendia que numa distopia que o futuro era não trabalhar e as pessoas dedicavam-se ao ócio; William Morries respondeu-lhe em Notícias de Lugar Nenhum, uma utopia onde todo o trabalho tinha sido transformado em trabalho criativo. Onde a colheita do trigo era realizada por todos, como uma festa; onde cada um fazia o trabalho que era especialista mas esse trabalho tinha, da marcenaria à escrita, direito a ser pensado e não apenas escutado. Fazemos uma análise destes romances no nosso livro Trabalhar e viver no Século XXI (Edições Humus) - num texto que traduzimos do marxista John Bellamy Foster que ganhou com o seu trabalho o prémio Issac Deutscher; e num texto sobre a nossa pesquisa colectiva no mesmo livro, da autoria do Roberto della Santa.
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